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SUICÍDIOS FORAM ROTINA NA QUEDA DO TERCEIRO REICH

O pior ditador do século XX se suicidou no seu bunker, em Berlim, local em que costumava se reunir com o seu estado-maior nos últimos dias da 2ª Guerra Mundial para decidir como seriam os últimos passos para enterrar o nazismo e seus autores psicopatas. Finda a guerra, o subsolo onde o bunker estava instalado foi reduzido a um estacionamento de carros sob a aparência banal de um terreno, junto a um prédio de apartamentos simples ao melhor estilo comunista, projetado de modo intencional pela extinta República Democrática Alemã, onde ficava essa parte da rua Wilhelm, no período de 1949 até 1989.
Depois do atentado frustrado a Hitler em julho de 1944, nenhum general nazista jamais ousaria participar de qualquer plano que envolvesse contestá-lo ou confrontá-lo sobre a loucura que representava sua decisão de prosseguir com a guerra, mesmo ao custo de milhões de vidas alemãs. Sem falar no fato de que Hitler tinha predomínio psicológico e militar sobre todos eles. Portanto, quando o fracasso do nazismo já era iminente, se sucederam cenas dramáticas na cúpula do regime alemão depois do suicídio de Hitler e Goebbels, tais como deserções, fugas e outros suicídios – de Himmler (chefe da Gestapo).
Mas o clima de tragédia dos derrotados não ficou limitado à cúpula: contaminou a Alemanha. No livro “Kind, versprich mir, dass du dich nicht erschiesst” (“Criança, prometa-me que não vais te suicidar”, em tradução livre), o historiador Florian Huber revela que o suicídio de Hitler e Goebbels não constituíram casos isolados, e sim parte de uma histeria nacional que tomou conta da Alemanha com o esfarelamento do mito do soldado nazista que lutou por sua ideologia totalitária e racista até a última gota de sangue.
A narrativa de como os alemães reagiram, pouco antes da chegada dos vencedores, e nas semanas e meses que se seguiram à rendição em 8 de maio de 1945 até que a ocupação se completasse.
Membros das Forças Armadas disparavam um tiro de pistola em suas cabeças – de 10 a 20% da mais alta patente se suicidou. Ernst-Robert Grawitz da SS matou a si e à sua família com uma granada e Josef Terboven, o Comissário do Reich na Noruega, explodiu a si mesmo ao detonar 50 kg de dinamite. A Juventude Hitlerista distribuiu pílulas de cianureto para o público durante o último concerto da Filarmônica de Berlim. Adolf Hitler assegurou-se de que toda a sua equipe tinha recebido sua cota de veneno; já havia declarado que o suicídio era apenas uma fração de segundo em que se é redimido de tudo e se encontra tranquilidade e paz eterna. Foram distribuídas instruções detalhadas sobre como enforcar-se com um mínimo de dor. No fundamentalismo nazista prevaleceu a prática do suicídio ao invés de aceitar a derrota.
Não existem números precisos dos suicídios cometidos já que não houve um levantamento exato dos casos. Cidadãos comuns trilhando o mesmo destino de seus líderes fanáticos nunca haviam despertado atenção até chegarmos no século XXI. Historiadores estimam que dezenas de milhares de suicídios em toda a Alemanha tenham ocorrido ao término da 2ª Guerra Mundial. Registros, só em Berlim, dão conta de 7 mil suicídios, dos quais quase 4 mil aconteceram em abril de 1945. Ao tirar a própria vida, era normal que os adultos levassem consigo seus filhos.
Foi o que fez Joseph Goebbels, ministro da Propaganda e chanceler nos últimos dias do III Reich, quando ele e sua mulher Magda envenenaram os seis filhos – no dia seguinte ao suicídio de Hitler e Eva Braun. Primeiro as filhas Helga, de 12 anos, Hilde, 11 anos, Holde, 8 anos, Hedda, 6 anos, e Heide, 4 anos, bem como o único filho, Helmut, de 9 anos, antes de dar fim às suas próprias vidas – todos os nomes dos filhos começavam com H em homenagem a Hitler.
“A vida no mundo que vai chegar depois do Führer e do nacional-socialismo não vale a pena”, escreveu Magda na carta de despedida ao seu filho mais velho, o único que sobreviveu, fruto de seu primeiro casamento com o industrial Günther Quandt, de quem ela se divorciou para casar, mais tarde, com o nazista Goebbels. Chamava-se Harald Quandt (1921-1967) que, por parte de pai, pertencia à família de magnatas dos automóveis BMW.
Segundo Huber, a histeria nacional de suicídio é o capítulo mais obscuro da história do Terceiro Reich. O suicídio coletivo no centro do poder nazista já havia começado em janeiro de 1945. Eram homens e mulheres que entraram em pânico por medo do futuro em um país ocupado, depois de uma ditadura durante a qual se havia esquecido de qualquer resquício de humanidade. O clima de medo era não somente em relação aos soviéticos, alcançando também as grandes cidades ocidentais, como Munique ou Colônia, que foram libertadas pelos Aliados, resultando na maior onda de suicídios do mundo moderno.
A debandada dos soldados alemães já se iniciara, os americanos eram esperados, mas ainda não haviam chegado, e um surto de insanidade tomou conta da população alemã. Mas o que levou esses homens e mulheres, cidadãos comuns, a dar um tiro em si mesmos, se enforcar numa árvore ou se jogar no rio mais próximo? Pavor do avanço em massa das tropas soviéticas sobre a Alemanha nazista e de suas represálias? Tamanho o desejo de conquistar Berlim antes dos Aliados. Folhetos avisavam sobre o pacote assassino bolchevique cuja vitória levaria ao povo alemão o ódio, a pilhagem, a fome, tiros na nuca, a deportação e o extermínio. Para evitar estupros ou por vergonha de contar que haviam sido estupradas, a alternativa que restava às alemãs era a submissão ou o suicídio.
Ou seria o fanatismo nazista? Ou o sentimento de culpa pelos abusos de 12 anos de nacionalismo e seis de guerra? Ou um efeito psicológico que transforma o suicídio em algo contagioso, quase como uma infecção?
O veneno mais consumido era o cianureto de potássio, muito procurado em virtude de oferecer a possibilidade de uma morte rápida e qualquer farmacêutico conseguir produzi-lo artesanalmente. Como se fosse um pouco de leite no café, bastava adicioná-lo a uma taça de vinho, comentava, com profundo mau gosto, a elite do regime nazista, que levava consigo cápsulas de cianureto que planejava usar no caso de cair nas mãos do inimigo. Alguns condenados pelo Tribunal de Nuremberg lograram evitar a execução utilizando-se do expediente.
No cemitério de Demmin, um monumento lembra a tragédia que tomou conta do lugar em 1945. Demmin, uma pequena cidade no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, no nordeste da Alemanha, 230 km ao norte de Berlim, à época com 15 mil habitantes. Justamente no mesmo dia em que Hitler se matou com um tiro dentro de seu bunker em Berlim, os soldados vermelhos se acercaram de Demmin e a queimaram, difundindo o terror. Os anos de guerra, a sede da desforra e a bebida que correu pela noite fomentaram a violência dos soviéticos.
A população entrou em pânico. Em apenas três dias, quase mil pessoas se suicidaram antes ou depois da destruição e dos estupros em massa. Os rios se tornaram cemitérios durante semanas e os trabalhos para retirar os corpos da água se estenderam até julho de 1945.
A cruel revanche das atrocidades nazistas mais do que desenhada do Exército Vermelho contra o povo alemão. Isso se explica pelo fato da cidade ter prestado maciço apoio à causa nazista, desde a maior votação percentual nos nazistas em 1933 até uma ampla perseguição a judeus e comunistas, posicionando-se largamente como cúmplice dos crimes de guerra perpetrados. Isso fez com que muitos cidadãos de Demmin se vissem como objeto de vingança e passíveis de execuções pelos crimes que cometeram, assim julgados por preferirem morrer a ter que viver em um mundo que não fosse governado pelos nazistas.
Mães e pais matavam os filhos por afogamento, estrangulamento ou com um tiro na cabeça, para, em seguida, fazer o mesmo consigo. A desgraça marcou para sempre a vida de muitas pessoas que assassinaram seus filhos, mas que posteriormente não tiveram a coragem de se suicidar. Apenas um homem de Demmin, dentre os inúmeros que sobreviveram depois de trucidar a família, foi julgado pelo crime: o assassinato da esposa e dos dois filhos a tiros. O julgamento terminou com absolvição porque os juízes consideraram o pai à mercê de uma situação extrema, sem culpabilidade e livre de pena.
As vítimas da tragédia de Demmin foram sepultadas em uma cova coletiva. Os mortos eram enterrados apenas com a roupa que usavam no desfecho final e em caixões de papelão – com tantos cadáveres em tão pouco tempo, não havia mais caixões de madeira disponíveis. As lápides, improvisadas, às vezes nem revelavam os nomes, apenas descrições sobre como ocorreu a morte, a saber: “menina enforcada pelo avô”, “menino afogado pela mãe” ou “crianças levadas pela mãe ao suicídio”.
Manfred Schuster tinha 10 anos quando foi testemunha da tragédia de Demmin. Ele viu uma mãe pular no rio Peene com os filhos pequenos amarrados junto ao seu próprio corpo por meio de uma corda de varal. Duas das crianças conseguiram se desamarrar e nadar até a margem, de onde assistiram à derradeira luta dos seus outros irmãos para não afundar nas águas junto com a mãe – lembrou Schuster, já com 80 anos, filho de um soldado da Wehrmacht.
Bärbel Schreiner, então uma menina de 6 anos, esteve a ponto de não se safar dessa loucura coletiva. Se não fosse seu irmão convencer sua mãe a não reproduzir o que tantos pais faziam com os seus filhos naqueles dias. “Mamãe, nós não, por favor!”. Enquanto Schreiner observava o rio Peene, cheio de cadáveres. “Ainda me lembro da água avermelhada pelo sangue. Sem essa intervenção de meu irmão, tenho certeza de que minha mãe teria afogado a nós dois”, afirma, com a voz embargada, essa mulher de 76 anos.
Karl Schlosser, de 80 anos, se recorda como escapou da tentativa da mãe de matá-lo com uma navalha de barbear:
– Minha mãe então partiu para matar os outros dois filhos e seu pai, meu avô, para depois se suicidar, em vez de viver em uma cidade dominada pelas tropas do ditador soviético Josef Stalin – ressalta Schlosser a contradição nazista.
Ele acompanhou a epidemia de suicídio em sua cidade natal como a principal rotina do final da guerra. Todos os dias, via corpos sendo levados pela correnteza do rio, adultos e crianças enforcados, ainda pendurados nas árvores, ou pessoas mortas com a fisionomia desfigurada por conta do veneno ingerido.
Num clima de profunda incerteza quanto ao seu destino e consequente histeria suicida provocada pelo desmoronamento e fim do Terceiro Reich, o povo alemão vislumbrava que quase tudo que era fundamento e lei no regime nazista passaria a ser visto como crime contra a Humanidade. Um carma a ser enfrentado, agravado pela onda suicida para fugir às responsabilidades.

Antonio Carlos Gaio:
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