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TAPA NA CARA

O tapa na cara vibrado no auge do orgasmo é uma autêntica caixa de Pandora. Ninguém quer abrir. Um dos maiores tabus da sexualidade porque associado à violência e considerado um desvio de comportamento até hoje. Não se bate numa mulher nem com uma flor, mas quem é que disse que o tapa não é provocado por ela quando ele consegue quebrar sua resistência, tirá-la do sério e levá-la a alcançar um prazer que manteve reprimido? Vinculam o caráter dessa repressão ao ponto G, mas nem Freud arriscou-se a tirar a fera da jaula para examiná-la.
Nelson Rodrigues irritou as feministas com o seu “mulher gosta de apanhar” no tempo em que a profissão da mulher era prendas do lar. Imagine se ele iria admitir que o homem gosta de apanhar durante a saliência. Só se for para revidar. Mas aí você entrou no jogo e assumiu a cumplicidade. Se continuou é porque gostou. Não adianta discutir a relação num boteco ermo. Atiçada a curiosidade, as argumentações falecem no portal da cama. O prazer é que será o guia para incorporar a intimidade ao cardápio ou excluí-la em prol da fraternidade.
Há quem levante a lebre de que, em termos de violência, as mulheres acabam perdendo. Que o tapa é como se fosse uma droga leve, na escalada sabe-se lá o que virá. O componente machista está gravado no DNA, além de se propagar através de partículas suspensas no ar. É bom não cutucar a onça com vara curta porque dará a ele a sensação de domínio absoluto, de voltagem semelhante ao “me deixa de quatro no ato” da Rita Lee. Interpreta como uma rendição, ele a tem nas mãos, o diabo não é tão feio quanto parece. Apesar das marcas do tapa.
A dimensão do tapa no rosto. A brincadeira, por assim dizer, não é para machucar, tapa de amor não dói. Assim como arranhões nas costas. Tapa no bumbum. Todos sujeitos a interdição, mesmo assim dependendo da gradação. A não ser que tenha preconceitos e prefira uma relação em que a vida só ganha sentido quando encontramos a nossa cara-metade. Mas ninguém merece carregar nas costas o peso de completar o que falta no outro. O amor não pode ser racionado, nem desejos que extrapolam o chinelo velho para um pé torto reprimidos. Sexo não é sacanagem, encher o amor de regras e princípios condena à marginalidade um prazer na fronteira do perigo. O passo em falso propicia o recuo diante de uma situação que foge ao controle, daí o receio generalizado e a tendência em evitar o tapa na cara. Para as águas do lago voltarem a ser plácidas e a anulação se fazer presente.
O tapa na cara bate de frente com o afago no rosto com que se inicia o namoro, põe o carinho em xeque, afasta a ternura, simula uma aparente desarmonia a pretexto de adicionar mais tempero na sexualidade e quebra a utopia da completude. Neurose pura permitir implantar o germe de um sintoma que visa acirrar a dependência, expandir a posse e injetar adrenalina na veia do ciúme que vincula um ao outro no tapa. Em nome do amor. O estalar do tapa desperta para a realidade do quanto é difícil acasalar universos tão diferentes para constituir uma unidade. O nosso destino, totalmente livre e aberto para dar o ar de sua graça e o toque que lhe faltava. O tapa na cara é um detalhe de somenos importância.

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Antonio Carlos Gaio
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