Quando alguém bem próximo morre, é comum surgir uma voz frustrada com aquilo que gostaria de lhe ter dito e não pôde dizer. Quando não reclama do falecido, que não quis abrir as portas para ouvir o que você tinha para dizer. Vai ver que por receio de escutar o que suspeitava que você pudesse dizer e que ele não desejava, ou melhor, não lhe interessava debater, temendo aflorar questões para as quais não conseguiria boas respostas ou sentir-se-ia num julgamento antecipado de sua vida pregressa – mesmo sabedor de se encontrar a um passo de iniciar a grande viagem.
Restando a sensação de que adoraria que ele lhe tivesse revelado alguma coisa. Não precisava ser transcendental. De caráter pessoal, por mais irrelevante que fosse. Para, ao menos, ter um enigma como legado, já que a verdade dos fatos ele levou para a sepultura.
Isso acontece sobretudo no seio de uma família, mas também ocorre entre amigos que se vão e que, por vezes, valem mais do que uma família inteira ao se igualarem a irmãos de sangue. O que Caim deixou de dizer a Abel? Caim preferiu armar uma emboscada e matar seu irmão – pela primeira vez na história da humanidade, o ciúme foi confundido com inveja. O que Abel poderia ter dito se soubesse da tragédia que lhe estava reservada? O que ambos poderiam ter conversado para que o malfeito não se transformasse em paradigma de traição aos princípios mais puros que edificam uma linda amizade?
A traição que fere a amizade de morte supera a traição no amor entre dois seres, por essa envolver possessividade e ciúme indigestos. Nos relacionamentos onde o amor se entranhou de tal forma que deixou sequelas na separação, sendo difícil lidar com o afastamento, o pior mesmo é o que ambos não foram capazes de dizer e o abismo ter se alargado com o passar do tempo. Perdendo-se uma excelente ocasião por preferirem calar-se para todo o sempre.
Apenas por todos não mais quererem revolver tudo aquilo que nunca foi dito, decidindo pôr uma pedra em cima do assunto. Ignorando que, à luz da Consciência, nada permanece sepultado e que, mais cedo ou mais tarde, tudo vem à tona para que todos se manifestem, aqui ou acolá.
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