Não se pode dizer que o povo brasileiro deixe de esgotar todas as tentativas para eleger um presidente, desde a redemocratização. Uma aliança inacreditável de pobres e ricos apostou todas as fichas num caçador de marajás, que retribuiu com o confisco da poupança. O impeachment de Collor envergonhou o eleitor, que ungiu nas urnas um pavão cuja plumagem prometia, com a privatização, o ingresso do Brasil no Primeiro Mundo. Devolveu-nos um país endividado sem que a má gestão tivesse sido investigada. O povo titubeou entre Roseana Sarney e Cyro Gomes até que tomou coragem e finalmente escolheu um dos seus. Gostou tanto que repetiu a dose, fazendo ouvidos moucos a dossiês e mensalões. Não enxergaram nos outros candidatos maior honradez. Ou levaram mais fé na palavra de Lula. Mais vale o certo do que o duvidoso. Mais vale um torneiro mecânico na mão do que um gomalinado voando. Sabe-se lá se vai surgir uma outra oportunidade igual a essa. Não apraz à burguesia permitir o ingresso de convidados desse jaez na festa da democracia. A não ser que o imenso contingente de excluídos se organize. Faltava Lula comparecer aos debates, ainda mais quando surgiu o dossiê, o povo não gosta de votar num candidato que se esconde. Ao dar a cara a tapa, Alckmin se serviu. Foi a sopa no mel para Lula deitar e rolar nas privatizações, pegando uma carona na Regina Duarte para explorar o medo de um privatista ensandecido como Alckmin, que precisou vestir a camisa e botar o boné do Banco do Brasil, da Caixa Econômica e da Petrobras e renegar seu passado. O terceiro turno só interessa aos perdedores – Tasso e o PFL de Bornhausen, ACM, Cesar Maia. Quem terá a audácia de tirar do poder 58 milhões de eleitores? Ganhando a fama de golpista e de sabotar o Brasil? Serra e Aécio é que não, de olho em 2010, quando, sem Lula, se comerão. Depois que consentiram em oferecer Alckmin, em sacrifício próprio, aos eleitores que clamavam por ética, reconhecendo que não dava para encarar Lula no resgate da auto-estima dos pobres. Deixando os antilulistas sem pai nem mãe com um candidato com cara de cliente especial de banco, desesperados para cravar ladrão no peito de Lula. Ainda mais que a grande maioria dos carrascos que comandaram as CPI que pretendiam ir ao fim do mundo dos estertores petistas não se elegeram – a maldição de Lula. Os preconceitos contra Lula, que tanto divertiram os internautas, explorando a cachaça, a falta de cultura, o turista do Terceiro Mundo, o salto alto, o messianismo, o último a saber, acabaram por se reverter em favor dele. O fragor da humilhação atingiu o povo, que relativizou os desvios éticos e votou em sua própria causa.